Opinião: Proteção ao Patrimônio de Afetação em recuperação judicial de empresas

Redação SindusCon-SP

Por Redação SindusCon-SP

Opinião: Proteção ao Patrimônio de Afetação em recuperação judicial de empresas

Nos anos 90 o emblemático caso da falência da incorporadora Encol abalou a mercado imobiliário brasileiro. Ao falir, em decorrência de desastrosa destinação cruzada de recursos entre seus projetos, a Encol deixou diversas obras inacabadas e não entregou assustador número de unidades autônomas àqueles que as adquiriram.
Para evitar novos prejuízos como os gerados pela falência da Encol e preservar a segurança de adquirentes de autônomas em construção foi criado no ordenamento jurídico brasileiro o instituto do Patrimônio de Afetação, com a promulgação da Lei nº 10.931/04.
Uma vez constituído o Patrimônio de Afetação, possível apenas em imóveis objeto de incorporação imobiliária, todo o empreendimento imobiliário é “blindado”, separado do patrimônio total da incorporadora. Ou seja, recursos oriundos da venda de unidades de um empreendimento ficarão vinculados à execução deste mesmo empreendimento e não poderão ser aplicados em obras diversas.
A constituição do patrimônio de afetação é uma opção das incorporadoras e, por muitos anos, não foi prática difundida no mercado. Mas, a partir de 2013, a possibilidade de vinculação do Patrimônio de Afetação ao Regime Especial de Tributação (RET), com redução de carga tributária para uma alíquota de 4% sobre a receita mensal das vendas de unidades imobiliárias, incentivou a prática da afetação patrimonial pelas incorporadoras.
Importante esclarecer que, apesar de ser opcional, uma vez registrado o Patrimônio de Afetação e aderindo a incorporadora ao RET, essa opção não poderá ser desfeita. Consolidada estará a segurança do consumidor que adquire unidade vinculada ao patrimônio afetado.
Outra prática verificada no mercado mobiliário brasileiro, que não se confunde com o Patrimônio de Afetação, é a utilização de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) para desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, sob gestão direta de uma incorporadora holding. Cada SPE tem como objeto social o desenvolvimento de um empreendimento específico e apresentam independência administrativa e tributária das demais empresas da holding.
Hoje em dia, raros são os projetos que não optam por esse modelo: SPE incorporadora, constituição de Patrimônio de Afetação e adesão do RET.
Diante do atual cenário de crise econômica no país, assistimos vertiginoso aumento no número de pedidos de Recuperação Judicial apresentados à Justiça. Em breve resumo, ao pedir Recuperação Judicial uma empresa reconhece estar passando por dificuldades financeiras e traça um plano econômico para superá-las, a ser validado e acompanhado pelo Poder Judiciário. Dentre as principais vantagens da Recuperação Judicial está o fato de serem suspensas, após deferimento e pelo prazo de 180 dias, ações e execuções contra a empresa recuperanda.
Recentemente o Grupo Viver, incorporadora de expressão no mercado nacional, apresentou pedido de Recuperação Judicial e requereu o reconhecimento de consolidação substancial dos bens do grupo, ou seja, a decretação de comunhão dos ativos e passivos de todas as suas SPE’s para pagamento das obrigações.
Surgiu então questionamento sobre a proteção ao Patrimônio de Afetação em situações de Recuperação Judicial de empresas. A legislação prevê que em Patrimônio de Afetação, o terreno, as acessões e demais bens e direitos decorrentes da incorporação afetada não integram a massa concursal.
O objetivo é manter a blindagem, protegendo a conclusão do empreendimento. A própria lei prevê os procedimentos para tanto, com a possibilidade de assunção da obra pelos adquirentes ou a liquidação do patrimônio de afetação.  Não importa qual a opção dos adquirentes, o patrimônio da obra afetada estará protegido.
Olivar VitaleA lei, no entanto, não prevê expressamente a aplicação dessas previsões na hipótese de Recuperação Judicial. Não prevê, mas é crucial que se aplique por analogia. Afinal, o Patrimônio de Afetação foi criado justamente para evitar que percalços financeiros de incorporadoras possam gerar prejuízos generalizados ao mercado e aos adquirentes de unidades autônomas em construção. Se para falência há a proteção, certamente isso só será atendido se, desde a recuperação judicial, tal proteção for efetivada.
Neste sentido corretamente entendeu o juiz do caso ao determinar exclusão da decretação de consolidação substancial de empresas do Grupo Viver àquelas SPEs que instituíram patrimônio de afetação, iniciando a construção de um entendimento jurisprudencial que privilegia a conclusão do empreendimento e proteção dos adquirentes de unidades imobiliárias.
*Olivar Vitale é advogado especialista em Direito Imobiliário, sócio do escritório Tubino Veloso, Vitale, Bicalho e Dias Advogados e conselheiro jurídico do SindusCon-SP

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